Entre a Rua da Boavista e a Rua de Águas Férreas, na cidade do Porto, encontra-se um dos pequenos bairros mais cativantes dentro do que é considerado um conjunto habitacional de carácter social. Trata-se da Unidade Habitacional da Bouça, projectada nos anos 70 do século XX no âmbito do plano de emergência SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local – que procurou levar a cabo uma das mais ricas experiências no sentido de dar resposta às reivindicações populares do direito à habitação após a revolução do 25 de Abril de 1974.
Em 1975, o arquitecto Siza Vieira testa com esta unidade habitacional uma nova abordagem que, no mínimo, consideramos inspiradora. Com características particulares, este bairro social difere muito dos outros presentes na cidade do Porto por ter tido em conta o experimentalismo do SAAL que assentou em princípios cooperativos, entre os quais:
• O princípio da auto-organização e da iniciativa própria das populações locais, uma concepção de raiz ideológica que defendia este modelo como uma gestão dinamizadora mais democrática.
• O princípio da transição da autonomia para os moradores na gestão financeira e a participação activa dos mesmos nas opções tipológicas e na execução da obra.
• O princípio de possibilitar que os moradores possam recorrer ao sistema de auto-construção, tendo por base a convicção que o investimento pessoal, físico ou monetário, reforçava os sentimentos de apropriação do espaço da casa e do bairro. Este princípio também «garantia taxas de execução mais realistas, dado o enorme deficit habitacional no país.»
• O princípio da manutenção das localizações originais, arredando a hipótese de favorecer operações de especulação fundiária, ao mesmo tempo que permitia o acomodamento das populações em locais cujas «referências urbanas e de vizinhança já tinham sido adquiridas.»
• O princípio da descentralização administrativa e a disseminação equitativa dos técnicos pelo território nacional, procurando superar as políticas centralistas do Estado Novo.
As operações do SAAL duraram apenas dois anos, já que se extinguiram a 27 de Outubro de 1976, desviando-se a administração de conjuntos habitacionais sociais para os municípios. Apesar de tudo, não poderemos deixar de olhar para este exercício e perceber como pode ser importante do ponto de vista dos moradores o sistema de viver num sistema habitacional cooperativo como o Bairro da Bouça.
Neste caso particular, o conjunto de habitações leva em conta que o conhecimento técnico, o planeamento urbano e sobretudo a arquitectura devem-se colocar ao serviço das populações rasgando com o conceito de marginalização de moradores que podem ser integrados num dado espaço, convidando-os a participar na gestão e na manutenção de um local que pode beneficiar uma comunidade e contribuir igualmente para a coesão e o bem-estar individual.
O Conjunto Habitacional da Bouça procurou ser o menos dispendioso possível, recorrendo ao betão armado e a outros materiais de construção simples e abundantes, está integrado na malha urbana envolvente e contém 128 habitações dispostas em quatro blocos de concepção simples, com apartamentos duplex de 3 quartos, com pátios e espaços ajardinados. Dados os princípios do extinto SAAL, o pequeno bairro é considerado privado. Só foi terminado no início do século XXI, uma vez que durante o início da Democracia, nos anos 70, só foram executadas parte de dois blocos.
Os apartamentos acabaram adquiridos por moradores mais interessados em residir num apartamento desenhado pelo arquitecto Siza Vieira do que por pessoas de rendimentos mais modestos. No entanto, nada inviabiliza uma reflexão acerca dos princípios originais que o conceberam.
Imagine-se este precioso Conjunto Habitacional como um modelo para a concepção de novos bairros de habitações sociais na cidade do Porto, promovendo a integração, o cooperativismo e a auto-gestão dos moradores para benefício mútuo e sobretudo democrático.
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